Quais são as ofensas desconexas? Eu estou dizendo que seu discurso é baseado no politicamente correto, é falacioso e é irônico.
O que você está dizendo é baseado no politicamento correto, sim. A renda básica faz redistribuição de renda, primariamente, através da taxação dos ricos. E isso não é algo necessariamente ruim. Atestar que seu discurso é politicamente correto não é, por si só, uma crítica ou uma ofensa.
Agora, o discurso politicamente correto FALACIOSO, esse sim é um grande problema; e é uma crítica que te faço. Pois ele é, justamente, o tipo de discurso que nossos queridos políticos usam para manipular o povo. Eles se escoram numa premissa politicamente correta, que em princípio é algo bom e positivo, mas a sua conclusão (ou seja, o verdadeiro fim/objetivo do discurso) não é nem um pouco bom ou positivo. E para poder vender esse discurso para o povo, eles se armam com várias falácias.
O seu discurso é falacioso? É, na medida que contém falácias. Nos posts anteriores eu te apontei duas: o raciocínio circular, e a falácia da autoridade.
O seu discurso é irônico? Sim, também. A proposta da renda básica visa, entre outras coisas, a igualdade. A distribuição dos tributos é feita de forma igual entre todos os cidadãos, não é isso? No seu exemplo, todos receberiam os mesmos 200 reais, a partir do rateamento dos recursos do INSS, e "talvez" do SUS e da educação pública. Só que essa proposta, ironicamente, não promove de fato a igualdade, pois ela não respeita os princípios básicos da igualdade e da equidade. E o motivo pelo qual isso acontece, eu te expliquei no post anterior e vou repetir aqui.
Promover igualdade é, em essência, tratar de forma igual os iguais, e de forma desigual os desiguais. Esse preceito é, inclusive, a base de vários movimentos sociais, como o feminismo. Na medida em que você propõe dividir os tributos de forma matematicamente igual entre todos os cidadãos (200 reais para todo mundo) - que é justamente um dos pilares da renda básica - você está tratando de forma igual os desiguais.
Esse princípio se aplica (ou deveria se aplicar, pois nossa gestão é corrupta e incompetente) a todos os setores do orçamento público que você propõe extinguir a fim de financiar a renda básica. O exemplo que vou dar abaixo é na área da saúde pública, pois é a área que tenho mais familiaridade. Mas o princípio ilustrado se aplica às outras áreas públicas, possivelmente extintas pela proposta da renda básica.
Vamos imaginar o seguinte. Um destes cidadãos que recebe 200 reais por mês "para se virar", tem o infortúnio de desenvolver câncer. Agora, ele não é mais igual aos demais cidadãos, correto? Ele tem um problema gravíssimo, que a maioria dos demais não tem e, por causa desse problema, ele passa a ter uma demanda/necessidade muito maior para poder sobreviver. Muito maior que os 200 reais que ele recebe da renda básica. Agora me diga, como que esse cidadão vai conseguir "se virar" com o câncer?
Mesmo que a renda básica fosse de 5 mil mensais - valor propositalmente esdrúxulo, e completamente fora da nossa realidade-, ele ainda não ia conseguir "se virar". Sabe por quê? Porque ele precisa de um valor infinitamente maior que esse (na casa dos 100x), que nenhuma renda básica jamais alcançaria. No final das contas, ele caiu na falácia da igualdade da renda básica - e não vai conseguir tratamento, pois o montante de dinheiro público que poderia ser usado para tratar seu câncer, foi dividido de forma igual entre os desiguais. Afinal, você deu 5 mil para uma pessoa que têm câncer, e os mesmos 5 mil para um cara que simplesmente não quer trabalhar, por exemplo.
Agora, no modelo que nós temos hoje - que é péssimo, mas ainda assim melhor e mais justo que sua proposta de renda básica -, esse indivíduo teria chance de receber tratamento, mesmo sem dinheiro para financiá-lo. E te digo isso com toda a tranquilidade (e propriedade), pois tive a sorte de poder tratar inúmeros pacientes com câncer, em uma universidade pública federal. Pacientes estes, que em outras circunstâncias, jamais teriam acesso ao tratamento. Se você acredita que a iniciativa privada vai ter condições de cobrir os buracos criados pela renda básica, you're in for a treat.
E para finalizar (este vai ser meu último post sobre o assunto), quero destacar apenas algumas coisas:
"Falácia de autoridade": Me incomoda como na internet todo mundo invoca isso como se fosse uma carta supertrunfo toda vez que alguém busca um apoio teórico para o argumento sendo feito.
Você é uma médica, se você diz pro paciente qual a doença dele e ele grita "falácia de autoridade! Não confio em você! Quero um curso de medicina de 6 anos antes de respeitar sua opinião, sua autoridade!" você pensa "puxa, essa é uma pessoa muito racional!"?
O que você acabou de descrever é um exemplo clássico da falácia da autoridade. O médico deve desenvolver um raciocínio clínico, e explicar ao paciente como e porque ele chegou em tal diagnóstico. Se o médico simplesmente vira pro paciente diz "qual a doença dele", é a boa e velha falácia da autoridade. Exatamente o que você fez no post anterior: "se pobre é quem não tem dinheiro, dê dinheiro e pronto". Você apresentou esta afirmação como algo verdadeiro, pois foi uma "autoridade" quem disse. Você não desenvolveu um raciocínio para chegar nessa conclusão, e sequer apresentou os argumentos do próprio Friedman para tal. Mesmo que a premissa fosse verdadeira, a forma como você apresentou seu discurso constitui uma falácia de autoridade.
Por exemplo, o Nixon matou a ideia não porque não cabia no orçamento ou porque "tratava igualmente os desiguais", mas porque, supostamente, tinha aumentado o número de divórcios, afinal, as mulheres estavam mais independentes.
Igual no caso da sua tirada de "bolsa-ócio", o problema não foi econômico, mas moral
Quem está dizendo que é um problema "moral" é
você. Eu chamei de bolsa ócio porque cria um problema eminentemente econômico. Receber sem produzir é um problema
econômico. Inclusive, esse é o cerne do atual problema da previdência: menos gente produzindo, e mais gente recebendo.
Eu cito o Friedman como autoridade, pois, pasme, ele é uma autoridade. É pra mostrar que a ideia tem sim um lastro teórico, que não é algo que eu "parti da conclusão" ou sei lá. A coisa vem sido defendida de longe e por gente que dedicou a vida a estudar essas coisas, e há motivos históricos concretos (demonstrados pelo livro do "boçal" da entrevista, sei lá de onde surgiu o ódio contra o cara) para a medida não ter sido adotada até hoje.
Não tem ódio algum contra o cara. "Boçal" é a palavra correta para descrever a atitude dele na entrevista:
Pergunta. Quantas horas o senhor trabalha por semana?
Resposta. O que é trabalhar? [riso]. Eu trabalho no The Correspondent, um coletivo de jornalistas de investigação, e isso me proporciona um salário básico. E o faço porque acredito nele, não por causa do dinheiro.
Mas enfim...
As críticas que fiz à sua proposta de renda básica são pertinentes, e pautadas no raciocínio lógico. Se você não tem humildade para reconhecer críticas, a fim de melhorar seu próprio discurso, talvez não seja eu quem "não mereça resposta".